Estamos vivendo a realidade da Pandemia do Coronavírus no Brasil há um ano. Em 26 de fevereiro de 2020 foi confirmado o primeiro caso no país, e em 20 de março, o Ministério da Saúde reconhecia oficialmente a transmissão do vírus em todo o território nacional, a partir do que veríamos nossa vida mudar de forma brusca e atordoante.
Para muitos, o confinamento e as consequências socioeconômicas significaram a interrupção de planos, crise de carreira e empreendimentos, cancelamento de cursos universitários e, até mesmo, a suspensão do projeto familiar: em janeiro de 2021, o Brasil registrou a maior redução de natalidade de sua história.
Nessas condições, alguns esperam que tudo se normalize para retomar de onde pararam; outros buscam novos caminhos para alcançar seus objetivos. De forma geral, sentimos que nosso tempo, vida e propósitos nos foram roubados, e esse sentimento de frustração nos leva a uma reflexão já exposta por C.S. Lewis em seu livro Cartas de um diabo a seu aprendiz, de 1942.
Somos levados por nossa natureza carnal a nos sentir donos legítimos de tudo o que faz parte de nossas vidas, sejam essas coisas tangíveis ou intangíveis: meu dinheiro, meu empregado, meu cônjuge, meu corpo, meu dia, meu Deus. Por mais que o objeto seja diferente, o sentimento é o mesmo.
Quero tratar aqui especificamente a questão do tempo, que é um dos mais ilusórios e unânimes sentimentos de posse da humanidade. Quando acordamos, nos vemos como donos legítimos de 24h que estão a nossa disposição; então, diante de imprevistos que alteram nosso planejamento, ou mesmo interrompem nosso descanso (como alguém pedindo um favor, por exemplo), nos sentimos pessoalmente afrontados.
Também nasce dessa ilusão a sensação de se ter pago um pesado tributo quando cumprirmos obrigações enfadonhas, bem como a de generosidade ao deixar o lazer de lado para dedicar nosso tempo à boas ações e a Deus. Chegamos mesmo a criar em nossa mente uma espécie de "banco de horas" espiritual, onde, se pode estar em déficit de horas com Deus, e se obrigar a ler um determinado número de capítulos da Bíblia para compensar, ou em superávit, quando já oramos mais do que se deve, e podemos nos dar ao luxo de faltar ao culto.
O problema maior dessa visão é que buscamos empregar o tempo para os nossos fins, e como vivemos sob a certeza de que a vida é limitada, atrasar nossos planos por causa da Pandemia provoca incerteza e medo. Afinal, nem todo o nosso orgulho é capaz de negar que não conhecemos a hora da nossa morte, e tampouco podemos adiá-la (Mt 6.27).
Para essa insegurança, a Bíblia nos traz como remédio a consciência de que o nosso tempo (e tudo mais que pensamos ter) não nos pertence, mas é dom de Deus; assim sendo, a vontade suprema em função da qual ele deve ser empregado não é outra senão a do Senhor. Isso não significa, como pensam alguns, limitar nossa existência em serviço religioso, mas expandi-la através deste ajuste de foco: é trocar as preocupações de cada dia pela certeza da provisão de Deus (Mt 6.25-34; Sl 127.1,2), trocar a limitação desta vida pela eternidade que há de vir (Rm 8.18-25).
Somente quando entendemos que o tempo é de Deus e para Deus podemos enxergar que este tempo de Pandemia não é uma interrupção dos nossos planos, mas uma parte do plano de Deus na qual ele nos chama e capacita a viver sua Palavra para seus propósitos eternos. Nesta nova visão não há desespero, mas tão somente a graça soberana do Pai pois, se vivemos para a sua vontade, as circunstâncias não podem sabotar nosso objetivo.
Referências:
Sanar MED - Linha do tempo do Coronavírus no Brasil. <https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil>
ARPEN Brasil - Imprensa destaca dados que mostram o menor número de nascimentos em janeiro da história. <http://www.arpenbrasil.org.br/noticias/11388>
Correio Brasiliense - Pandemia: cartórios registram queda de 17% de nascimentos em janeiro. <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/02/4905584-pandemia-cartorios-registram-queda-de-17--de-nascimentos-em-janeiro.html>
C.S. Lewis. Cartas de um diabo a seu aprendiz. Carta XXI, pp.114-118. 1ª ed.- Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.
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